Craque Brasileiro

24 08 2006

Como um péssimo patriota brasileiro eu nunca gostei de futebol. Nunca joguei bem e sinceramente acredito que esses dois fatores estejam relacionados em um clico vicioso. Eu nunca gostei porque sempre joguei mal e sempre joguei mal porque nunca gostei. Não faço idéia de qual fator veio primeiro e por isso não sei se sou escravo ou senhor do meu anti-patriotismo. Apesar de toda a tormenta que o futebol possa ter causado em minha vida houve um dia em que surgiu uma luz no fim do túnel. Desde então, para minha felicidade, eu não precisei mais dar o meu suor por aquele jogo de bola e o mais estranho de tudo é que a solução estava no próprio esporte.

Eu explico: o ópio do povo nunca se manteve distante das aulas de educação física e por isso toda semana eu era obrigado a participar de algumas partidas. No início fui coagido pela minha consciência e o temor das autoridades, mas com o tempo aprendi que tudo que é forçado e se torna desgastante acaba sendo burlado. Foi o que fiz, tentei boicotar o regimento interno do futebol.

Minha primeira atitude, como um aluno diligente foi conversar com o professor, mesmo que eu não soubesse dar o recado em uma única fala:

– Professor, olha só…hoje eu não vou fazer aula não. Tenho consulta no médico.

Na semana seguinte:

– Professor, meu pé tá doendo. Não consigo jogar assim.

Mais uma semana:

– Professor, estou com dor de cabeça.

Até que uma semana o que eu temia aconteceu. Conversava eu no banco com outros reservas quando fui chamado e me tornei vítima do seguinte diálogo:

– O que tá acontecendo? Você não gosta de futebol?

– Não.

– É, percebi. Mas sabe o que acontece? Se você ficar arrumando uma desculpa toda aula pra não jogar a diretoria vai reclamar comigo. Você não pode ficar arrumando uma desculpa nova porque pega mal pro meu lado.

– Entendi. – e continuei de maneira enfática – Mas eu realmente não quero jogar.

– Tudo bem. Vamos fazer o seguinte…tá vendo aquele garoto ali?

– O Peru?

– É esse o apelido dele?

Fiz cara de quem não daria mais explicações e que lamentava pelo outro aluno.

– Vamos fazer uma aposta: se ele fizer um gol na partida você nunca mais precisa fazer educação física. Você vem e vou te deixar no seu canto lá sentado conversando com o pessoal do atestado médico pra não fazer aula. Agora se não tiver gol, você vai precisar fazer aula sempre e jogando todas as partidas.

Parei para analisar. Devo ter demorado um segundo para responder. A linha de raciocínio que ocupou minha mente durante esse um segundo foi bem simples. O Peru devia jogar muito mal para o professor fazer uma aposta daquelas. No entanto por pior que ele fosse eu ainda tinha alguma chance de ganhar. Não era como se eu fosse o jogador em campo, porque se fosse o caso, certamente não apostaria em mim mesmo. Se perdesse a aposta eu deveria praticar as aulas toda semana sem falta. Em teoria naturalmente, porque eu ainda poderia faltar mais vezes e certamente continuaria burlando o sistema. Por outro lado se eu ganhasse a aposta eu não precisaria mais me preocupar em driblar a freqüência da aula e poderia descansar e receber presença ao mesmo tempo. Em suma, não tinha nada a perder.

– Tudo bem, vamos apostar.

Não sei quantas copas do mundo eu já assisti e apoiei o Brasil, mas durante todo o meu tempo de pseudo-patriota eu nunca me senti tão emocionado como naquele jogo. O destino (literalmente) em jogo soava muito mais importante e mal sabia Peru que naquele momento era a minha esperança.

Mesmo sem jogar, o suor desceu pela minha testa quando eu via que nada acontecia entre Peru e o gol. Eles não pareciam se dar bem e até aquele momento nenhum chute a gol.

A depressão monótona foi quebrada quando nos últimos minutos, por uma falha do outro time, Peru dominou a bola e realizou o que tanto ele e eu desejávamos. Não fez sentido algum para qualquer um dos jogadores ver um louco no banco de reservas comemorando um gol tão patético de uma pelada de colégio. Não importava para mim, pois agora estava livre dos grilhões da arte nacional. Por mais que eu nunca tenha verbalizado o meu agradecimento ao Peru, sei que graças a ele o futebol foi usado como instrumento para me afastar ainda mais do próprio esporte. Graças ele, posso dizer que pelo menos durante alguns minutos, eu fui brasileiro.





Tudo Bem?

29 07 2006

Enquanto assistia a sessão da tarde na televisão uma senhora por volta de seus sessenta anos é surpreendida por uma mensagem de plantão.

“Caros telespectadores, interrompemos o filme ‘Um Morto muito Louco 4’ para informar que meteoros estão vindo em direção à terra e vão colidir em apenas alguns minutos resultando no fim do mundo. Alguns abrigos já estão sendo organizados por toda a cidade, mas sinceramente achamos que de nada irá adiantar. Recomendamos que todas as pessoas aproveitem seus últimos minutos com calma e sem entrar em pânico.Obrigado.”

Logo após o aviso Andréia se levanta e vai à janela. Em questão de segundos o que parecia uma bola de gude vermelha cresceu e explodiu a algumas quadras. Fogo e caos começaram a se espalhar pela cidade e enquanto vários tremores afetavam a terra a senhora correu. Agarrou um pequeno livro de telefones e procurou um número. Logo em seguida discou discou rapidamente.

O telefone toca uma vez. Outra vez. Três. Hesitantemente a mulher vai colocando o telefone no gancho quando ouve uma voz. Coloca o receptor no ouvido:

-Alô? Alô? ALÔ? – uma voz ofegante e estridente

-Dolores?

-Quem é? – sons de explosões e gritos podem ser ouvidos ao fundo

-Sou eu Andréia. Tudo bem?

-Andréia…?

-Andréia da faculdade.

-Déiazinha! Reconheci sua voz agora. Como você ta?

-Ah eu to ótima e você amiga?

-Melhor não poderia estar. Meu casamento ta ótimo, eu moro com o homem que eu amo e meus filhos são lindos. E você?

-Eu estou be – de repente do outro lado da linha criança grita: “Mãe! Vamos sair daqui! Ta tudo pegando fogo! Mãããããããe” “Cala boca muleque, não vê que eu to falando no telefone?” O som da linha fica mais abafado, mas ainda é possível ouvir. “Arnaldo para de beber cerveja e pega o garoto chorão aqui! EU TO NO TELEFONE!” os gritos soam em um tom completamente histérico e estressado.

-Dolores?

-Oi Dédé meu amor, desculpa pela demora, o cachorro tava latindo aqui e eu tive que soltar ele do canil.

-Ah tudo bem. Eu só estava dizendo que comigo está tu-

-Mas você me ligou por que mesmo? Eu sei que a nossa amizade permanece firme como sempre, mas eu queria saber se você ta precisando de algo.

-Na verdade estou. Eu tava ligando pra te pedir de volta aquele brilhante de diamante que eu te emprestei pra ir na festa da empresa do seu marido.

-Qual?

-Aquele do coração em forma de diamante, com os detalhes folheados a ouro.

De repente em explosão ecoa do lado da linha de Andréia.

-Dédé? Que isso?

-Ah foi nada, a empregada derrubou a geladeira – Andréia observa o estrago do meteoro que caiu na sua rua pela janela. Janelas estraçalhadas, pessoas gritando e muito fogo.

-Eu acho que posso te devolver esse brilhante. Mas pode ser semana que vem?

-Olha não fica triste, mas é que eu queria esse brilhante agora. Ele era da minha mãe e significa muito pra mim.

-Pede um pro seu marido, ele é rico e pode te dar um muito mais bonito.

-Você sabe que eu sou viúva Dolores. – um tom sério permeia a ligação.

-Ah foi uma brincadeira. Então você quer ele hoje, né? Eu vou falar pro meu marido passar ai depois do trabalho. – “Num vem com papo pra cima de minha não Dolores! Você sabe que eu to desempregado!” “CALA BOCA REX! ”

-Desculpa, é o cachorro que ta com fome aqui.

-Então hoje ele deixa aqui? –Andréia testa a mentira de Dolores.

-Isso mesmo…lá pelas dezoito horas ele deve passar ai.

-Tudo b-

-Mas foi ótimo ouvir de você Dédé. Estou feliz que esteja tudo ótimo com você. Vamos sair um dia desses amiga.

Um estranho barulho de ligação chiada começa a surgir e cada vez ficando mais forte.

-Dolores? Dolores? Você não sabe meu endereço.

Os bipes de ligação cortada ecoam pela linha.

Andréia calmamente pega uma caneta vermelha e risca o nome de Dolores de uma lista de vários outros nomes já riscados.

-Nunca gostei daquela vaca.








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