Esse texto foi escrito em co-autoria entre eu, Arthur Protasio, e Ana Wander Bastos. Separadamente, nós relatamos nossas experiências como (ex-)jogadores de RPGs online e traçamos os paralelos das identidades que assumimos nessas realidades virtuais com as opiniões e afirmações da autora Sherry Turkle em seu livro “A Vida no Ecrã”.
Introdução:
A autora Sherry Turkle aborda em seu texto “Facetas do Eu”, capítulo 7 de “A Vida no Ecrã”, os MUDs e os RPGs como ferramentas sociais de criação ou manifestação de identidades. Os MUDs atuam como espaços virtuais permanentes nos quais diversas pessoas se conectam e interagem por meio de descrições textuais. Linhas e linhas de texto servem o propósito de comunicar as ações de cada jogador, como dormir, jantar, conversar e narrar eventos a partir das identidades escolhidas – fossem estas equivalentes às da vida real ou não. RPGs, no entanto, estruturados como jogos de interpretação de papeis, tal qual um teatro improvisado com a inserção de mecânicas lúdicas, implicam na necessária criação e interpretação de personagens. A sigla RPG significa em inglês “Role Playing Game”. Em outras palavras, é uma atividade que se auto-intitula como “jogo de desempenho de papéis” e reúne jogadores em encontros presenciais. Tanto o MUD, conhecido pela sua representação textual de um espaço comum virtual permanente, como o RPG, notado por seu caráter lúdico, compartilham características no que diz respeito ao exercício da imaginação e à atuação de certas identidades. Apesar de serem experiências distintas, ambos são espaços para manifestações das diferentes facetas do “eu”. Atualmente, esse quadro analisado por Turkle permanece, mas as possibilidades aumentaram e não mais se resumem a estas duas atividades.
Com o advento da tecnologia, este cenário se alterou. Atualmente, diversos jogos, especialmente eletrônicos, assumem uma função única na qual ambas as características são incorporadas. Muitos jogos eletrônicos passaram a incorporar esta lógica da combinação, e assim originaram um gênero que promove a fusão dos MUDs com RPGs, sendo eles os MMORPGs. Esta sigla é união do já existente RPG com MMO, que significa, em inglês, Massive Multiplayer Online. Em poucas palavras, é um espaço lúdico e permanente que abarca na rede online uma quantidade massiva de jogadores. Embora muitos jogos hoje em dia possam ser inseridos nessa categoria, dois especificamente desempenharam um papel importante na vida destes autores, e fizeram parte do cotidiano ao ponto de reiterarem as palavras de Turkle. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é ilustrar tal cenário com as experiências pessoais de jogadores que habitaram mundos virtuais permanentes de caráter lúdico, e assumiram, ao longo desta experiência, diferentes facetas.
Anaconda, a Cavaleira:
Tibia é um jogo simples, de algumas influências medievais e acessível a qualquer pessoa que primeiramente tenha o mínimo de tempo para começar a jogar. Seus gráficos são bem simplórios, e a movimentação deixa muito a desejar.
Foi um jogo criado, inicialmente, por alguns estudantes de uma faculdade de computação, que receberam como trabalho final o dever de criar um jogo, jogo este que consiste na criação de um mundo online (no começo foi apenas um mundo, mas com o tempo e popularidade passaram a ser mais de vinte mundos diferentes), onde existem pessoas interpretando personagens (bons ou ruins), coisas para comprar, monstros para caçar, missões a cumprir e muitas outras coisas que vêm da imaginação de cada um, como promover festas de aniversário, casamentos, comprar casas… enfim, quase um mundo de verdade.
No início do jogo, todo mundo que entra é encaminhado para uma ilha de iniciantes, chamada Rookgaard, que é onde se aprende a jogar um pouco, com monstros mais fracos, missões mais fáceis, e, principalmente, a proibição de que uma pessoa mate a outra (há uma espécie de proteção para iniciantes). Para sair desta ilha, é bom que o jogador já esteja apto pra enfrentar o mundo grande, e então ele deve fazer a escolha da sua profissão, podendo optar por ser mago, curandeiro, cavaleiro ou paladino. Cada categoria tem as suas vantagens e desvantagens em relação às outras.
Passando desta primeira fase, você é levado a outro mundo, enorme, cheio de cidades e bairros. Neste, que é o real mundo de Tibia, você escolhe uma cidade pra morar, onde ocorrem os perigos. São pessoas fazendo guerra, matando uns aos outros, roubando os seus equipamentos, monstros fortes às vezes são trazidos para a cidade; enfim, nesta parte do jogo você já precisa estar bem o suficiente pra lidar com situações adversas. É aí que começa a valer a escolha da sua profissão, porque você precisa treinar as sua habilidades específicas para ficar mais forte e crescer no mundo.
No caso da minha personagem, Anaconda, acabei escolhendo ser cavaleira. O cavaleiro no Tibia é o jogador com maior força física. Ele está sempre no “front” das batalhas, e para isso tem que treinar muito as habilidades de espada e defesa, e ainda precisa ter um espírito de liderança para comandar o grupo na caçada, já que é sempre o primeiro a aparecer e tem que contar com o grupo logo atrás, para, enquanto ele defende, os demais darem conta do monstro.
Anaconda era uma menina, muito parecida comigo (digo, não inventava muitas coisas para atribuir ao personagem; era eu mesma, mas interpretando um pouco, para caber no jogo), exceto pelo fato de que era bem mais comunicativa e extrovertida. Logo, fazia amigos bem mais facilmente do que eu, e amigos de todas as partes do mundo.
Eu costumava passar muito tempo jogando, o que fez de Anaconda uma menina muito popular, até porque era muito difícil encontrar meninas de verdade que jogassem. Diante desse fato, as coisas eram, às vezes, bem simples para ela, pois ganhava itens com facilidade, além de casas, dinheiro, tudo; era uma disputa entre os homens pra ver que iria ficar com Anaconda, por isso ganhava tantas coisas, e como uma boa jogadora, eu tratava de aproveitar a facilidade para ficar mais forte mais rapidamente. Desfrutar disso tudo foi ótimo, pois além do treino que era necessário, facilitava e muito o caminho para chegar ao objetivo, que eram os monstros fortes. Cada vez que esse objetivo era alcançado, vinha um novo, e outro, e assim se passaram de dois a três anos.
Fiz muita coisa neste jogo, ate de casamento já participei. Mas agora já parei de jogar faz uns 3 anos. Quis voltar algumas vezes, só não tive tempo, ainda bem! É um jogo extremamente viciante, pois devido ao fato de ser online, as coisas acontecem mesmo quando você não está jogando, o que quer dizer que, se por um longo período de tempo você não puder estar jogando, estará perdendo tempo naquele “outro mundo”. Pessoas podem ficar mais fortes, monstros podem nascer, um amigo pode precisar de ajuda… assim, dormir me causava um grande desespero, pois me dava uma sensação de que estaria perdendo enorme tempo de jogo. Enfim, a verdade é que quando se joga Tibia, tudo parece um motivo maior para ficar mais alguns minutinhos, que no fundo duravam horas, dias, e deixei de fazer muitas coisas na vida real para poder ficar jogando. Quando me dei conta disso, depois de muito tempo jogando, acabei deixando o jogo, não completamente, mas de forma compulsiva, e aos poucos fui largando totalmente.
Agora, olhando de fora, são vários os aspectos que poderia observar, tanto bons, quanto ruins. Na época, acabava ficando tantas horas dentro de casa que pouco via os amigos na rua, a não ser os amigos que jogavam também, que encontrávamos na rua do nosso mundo de Tibia, que, no caso, se chamava Amera. Em Amera também faziam-se muitos amigos, mas é claro que o objetivo não era somente social (apesar de, para muitos, ser, sim) O principal motivo que juntava todos ali era o gosto pelo jogo em si, caçar monstros, fazer missões em grupo, ficar cada vez mais forte e conseguir melhores equipamentos, para cada vez mais poder fazer tudo com melhor desenvoltura. Era isso que fazia com que os jogadores quisessem jogar cada vez mais: para não perderem tempo em relação ao mundo de Amera, que nunca ficava parado.
Toda essa proximidade dos jogadores, pelo fato de acabarem passando a maior parte do tempo juntos ali naquele mundo, acabava gerando muitos conflitos em vida real. Eu, por exemplo, na época, tinha um namoradinho no jogo, e meu namorado na vida real não conseguia admitir, e tinha muito ciúme, o que acabou gerando (não só por isso) o fim do namoro. Mas é um ciúme que hoje posso compreender, pois vejo o quanto aquele jogo fazia parte da minha vida. Por outro lado, acho que havia coisas positivas, como a liberdade de poder me expressar exatamente como gostaria, sem ter que medir palavras, pois estávamos interpretando um papel, por menor que fosse. Alem dos meus amigos que me conheciam pessoalmente e jogavam (e eram poucos), ninguém mais poderia saber quem estava do outro lado da tela do computador, o que me ajudou muito a ser uma pessoa mais expressiva, mais aberta, a saber que posso falar as coisas que penso, e ouvir também o que os outros pensam antes de julgar pelo que previamente vi em sua imagem. Tudo tem seu lado bom e ruim, e no caso do Tibia não poderia ser diferente.
O Bardo e o Arqueiro:
NeverWinter Nights (NWN) foi um dos meus jogos favoritos por muito tempo. Ainda é, mas eu não jogo mais. Deve fazer cerca de uns quatro anos que eu não jogo mais NWN. É um pedaço da minha história que eu considero extremamente válido, por bons e maus motivos, mas que já deixei para trás. O motivo principal é que, por mais que eu seja um fã de RPGs, sempre dei maior importância para a narrativa. Ao longo do tempo, percebi que por mais que eu me divertisse jogando NWN, as experiências eram muito mais sociais que necessariamente narrativas, e jogadores poderiam passar tardes discutindo futilidades ou até mesmo flertando em vez de irem atrás de aventuras, perigos, inimigos e tesouros – mesmo que virtuais. Concluí, então, que eu poderia me divertir mais sozinho, diante de uma experiência de jogo com um roteiro especificamente para uma pessoa que necessariamente várias. Ainda assim, joguei durante muitos meses NWN online e gostei muito da oportunidade de participar de uma experiência de jogo que se misturava com a noção de um teatro improvisado de fantasia medieval. Mesmo que criado a partir da interpretação instantânea dos personagens, era uma experiência narrativa como nenhuma outra.
NeverWinter Nights é um jogo eletrônico criado a partir de um RPG tradicional, o mundialmente conhecido “Dungeons & Dragons”, que é vendido em livrarias até hoje. Adotando as regras do livro como base, o game faz uso de gráficos – que, na época de seu lançamento, eram razoáveis – para inserir o jogador em um universo repleto de personagens e arcos narrativos (alguns maiores, outros menores). Em suma, o jogador ganha acesso a um novo mundo. Um mundo no qual ele obrigatoriamente precisa criar um personagem para controlar e usar como seu representante virtual – ou “avatar”, como é comum no meio dos games. Contudo, a criação desse personagem não é fator superficial. Jogadores devem elaborar os nomes, sobrenomes, biografia, escolher a classe (ou profissão), a raça – que não se limita aos humanos – e outros fatores, como habilidades e quais armas usará. Torna-se evidente que é um processo que exige dedicação e consideração. A identidade criada nesse momento terá repercussões durante todo o resto da experiência de jogo, tanto no combate como nos diálogos.
Eu sempre tive o hábito de escrever muito. Já escrevi vários contos ficcionais sobre diversos personagens. Então, quando passei a jogar NWN eu já tinha um esboço mental de dois personagens que eu gostaria de levar dos meus escritos para o mundo virtual do jogo. Na minha mente, era uma espécie de aplicação da narrativa transmídia. A história que eles já tinham vivido nos contos era passado; agora eles habitavam o presente e viviam uma história improvisada. Assim, Kale HeiligBlut e Arion Medvarh passaram a habitar Nordock, que era o nome do universo existente no servidor em que eu jogava.
Kale era um elfo jovem – equivalente a um adolescente humano de 19 anos – com um passado traumático. Em tempos remotos, sua pacata vila vivia em harmonia ao lado de um feudo humano. Contudo, quando o filho do senhor feudal sumiu, os humanos declaram guerra e invadiram a vila em busca de respostas. Os elfos não resistiram à invasão e foram escravizados. Os elfos masculinos, vendidos como mão de obra barata para orcs, foram levados para uma embarcação estrangeira. Apesar de ter sido acorrentado junto com seu pai, Kale nunca mais viu sua mãe. Após meses de navegação, em direção a uma terra distante, os elfos escravos confabularam uma rebelião. Quando todos eles foram chamados para se apresentar no “deck” principal, o caos se instaurou. Em meio à confusão, Kale foi nocauteado e caiu da caravela. Quando acordou, descobriu que havia sido resgatado por um pescador chamado Thor. Atualmente, Kale busca descobrir o paradeiro de sua família, mas não sabe como retornar à sua terra natal e se tornou o guardião, mestre na arte do arco e flecha, da floresta de Kal’thair. Diante desta biografia, o jogador – no caso, eu – interpretava as ações e pensamentos de Kale durante o jogo, fossem em momentos sociais ou durante aventuras repletas de combate e adrenalina.
Arion, o meu outro personagem, era um bardo humano. Apesar dos seus trinta e poucos anos de vida, sua história era peculiar. Como bardo, ele era extremamente influente no cenário político por sua retórica, e na cena musical, por ser um excelente violinista. No reino de Yelk, Arion assumia o posto de ministro e diplomata do reino, atuando como uma espécie de porta-voz para situações oficiais nas quais o rei não estivesse participando diretamente. Assim, apesar de o rei ser o “rosto” do reino, Arion acabava, na prática, sendo o verdadeiro gerente de muitas questões importantes. Contudo, com o tempo, o rei passou a notar que não precisaria se esforçar tanto para manter seu poder e passou a abusar do mesmo. Apesar da existência de uma rainha, ele passou a ter casos com muitas mulheres, extorquir senhores feudais e realizar uma série de condutas que dificultavam o trabalho de Arion em manter a boa reputação do reino. Gradualmente, não só Arion passou a se sentir pessoalmente traído, como também enxergou essa mesma revolta no povo, que sabia de tais infrações. Para combater o caso, Arion estudou um plano de ação e reuniu um grupo de nove membros peculiares (incluindo o próprio), que planejaria dar um golpe de estado. Dentre os nove membros, entre monges e ladrões, estava a própria rainha. Como o plano visava um golpe minimamente violento, toda ação precisava ser precisamente planejada e calculada para evitar qualquer confronto. Essa rotina tensa e sigilosa ocorreu durante três de anos de regular cotidiano. No entanto, certa noite, após um desentendimento, o rei, que estava embriagado, assassinou a sua mulher. Apesar do evento não ter ligação com o grupo secreto, o rei acabou descobrindo documentos e enviou guardas para capturar cada um dos membros. Arion, antevendo os eventos catastróficos, enviou mensagens criptografadas para que todos os membros fugissem do reino com urgência e mudassem suas identidades. Sem nem mesmo ter a condição de ver o velório da sua rainha – com quem tinha um forte vínculo emocional -, ele subiu na primeira caravela disponível e fugiu para uma terra desconhecida e distante. Após quatro viagens, ele chegou em Nordock, um local completamente desconhecido para Yelk, e possivelmente o início de uma nova vida; até que a retomada de Yelk fosse possível.
Durante todo meu tempo de jogo, eu estive em constante contato e controle sobre todos os dois personagens. No início, Kale era o mais utilizado, mas com o tempo passei a usar mais Arion. Não posso afirmar ao certo, mas talvez ambos representassem interesses pessoais e reflexos da minha personalidade que foram gradualmente mudando na vida real. Kale, como um elfo, era um ser mais reservado e pouco disposto a conversar com estranhos – às vezes, até seus próprios conhecidos. Seu trabalho era cuidar de uma determinada floresta, e ele não enxergava outro propósito em suas atividades a não ser proteger aquela região isolada. Arion, por outro lado, sendo músico e mestre da arte da retórica, sempre se demonstrou mais aberto a conversar e disposto a habitar locais mais populosos. Apesar de, em algum momento, ambos os personagens terem sido chamados de “galanteadores”, o segundo deles claramente era muito mais extrovertido. Afirmar que ambos eram opostos seria um exagero, mas certamente havia uma diferença significativa e impactante suficiente para que eu, como jogador, trocasse de personagens em determinados momentos a fim de habitar determinados círculos sociais dentro do jogo.
É interessante como, em NWN, os jogadores apenas têm algumas formas de expressar. Estas formas são através de gestos ou animações pré-programadas dentro do jogo (como o ato de sentar ou se ajoelhar), ou por meio de texto digitado. Quando um jogador digita, o texto é recepcionado como se fosse um chat daquela região – fosse ela um pequeno pedaço da floresta ou um quarto. A peculiaridade, contudo, é que os jogadores criaram uma solução alternativa para se expressar. É comum jogadores usarem asteriscos (*) para indicar ações sociais não previstas nas animações do jogo. Dessa forma, eu observava que, apesar do elfo Kale falar muito menos que o humano Arion, o primeiro personagem utilizava em grande quantidade o recurso do asterisco para se expressar por meio de gestos, mesmo que tal gesto fosse um “*olhar fixo, porém sigiloso*”. Arion, assim como Kale, também se expressava por meio dos gestos sociais, mas seu personagem poderia ter o conforto de saber que a maioria das suas intenções era veiculada por meio das palavras ditas.
Outro fator curioso é que, apesar do meu grande contato com os outros jogadores do servidor, eu nunca me interessei em firmar fortes vínculos de amizade fora do jogo. Lembro-me bem que uma amiga minha – que passou a jogar por causa do meu convencimento – fez grandes amigos com quem tem contato até hoje. Meu interesse principal era ter a oportunidade de me expressar em um espaço criativo no qual a minha ficção tivesse valor e impacto na interatividade do jogo. Era uma espécie de escrita de roteiro improvisado em primeira pessoa, e eu adorava interpretar meu personagem. No caso da minha amiga, eu tive a impressão de que ela tinha intenções menos ficcionais e mais sociais. Ela constantemente conversava em “off” com os outros jogadores, ou seja, fora da condição de interpretação do personagem durante o próprio jogo. Para mim, aquilo ia contra o propósito de estar jogando, mas ao mesmo tempo, por ser uma mulher, ela era o alvo de atenções e constantemente presenteada por outros jogadores com inúmeros itens de valor dentro do jogo. Isso me irritava um pouco, em função da clara injustiça e quebra de lógica, mas eu entendia a circunstância e encarava de maneira similar à vida real. Com o tempo, acostumei-me e passei a jogar de maneira inafetada, apenas interessado na interpretação de personagens. Acho que, enquanto eu procurava me envolver com a experiência por causa do aspecto ludológico de “jogar”, combinando com a exploração de narrativas, a minha amiga via a oportunidade de interação social além de mero texto. Talvez fosse uma busca de muitos jogadores por uma experiência social, uma espécie de “Second Life” – que eu não considero como jogo -, misturado com regras que visassem o entretenimento com base no RPG.
Minha amiga era bastante influente no servidor. Praticamente todos a conheciam, e assim ela foi capaz de organizar um encontro presencial dos jogadores. A princípio, eu estava desinteressado, mas ela me convenceu a ir. Foi um tanto decepcionante, pois aquilo não atingiu as minhas expectativas. As pessoas eram chatas na vida real, e eu achava mais divertido quando elas interpretavam seus personagens dentro daquele mundo virtual. Muitas das identidades soavam incompatíveis ou infantis para mim. De alguma forma, muitos jogadores, ao interpretarem seus personagens, pareciam mais sérios, maduros e menos infantis.
O ano em que eu mais joguei NWN foi provavelmente o 2º ano do ensino médio, ou seja, pouco antes do meu vestibular. Apesar de eu ainda jogar durante meu ano de vestibular, os horários e as rotinas dentro e fora do jogo eram incompatíveis. Particularmente, eu nunca entendi como as reuniões do servidor, ou seja, os momentos em que o máximo número de pessoas se reuniam para jogar, eram no horário da madrugada durante a semana. Por causa disso, gradualmente passei a jogar menos. Eventualmente parei por completo, mas ainda retenho grandes lembranças de momento engraçados, épicos e uma experiência que efetivamente misturou minhas ambições narrativas com uma realidade social. Tudo em Nordock acontecia a todo momento, quer você estivesse presente no servidor, quer não, e poder participar daquela comunidade gerava uma sensação de pertencimento e cooperação bem particular. Hoje, eu prefiro experiências narrativas mais focadas em um único sujeito. Não tenho absolutamente nada contra a narrativa criada pelo próprio jogador ao jogar, pelo contrário; como desenvolvedor de games, esse é um dos aspectos que eu considero mais únicos dos jogos eletrônicos. No entanto, é possível combinar a narrativa programada, geralmente escrita por um profissional, com a experiência do jogador, enquanto que muitas vezes as narrativas criadas inteiramente pelos jogadores podem gerar controvérsias, paradoxos e situações que quebram a imersão e suspensão da descrença de todos os outros.
Conclusão:
Penso que tivemos maior facilidade de compreender o que os personagens do texto que lemos falavam, pois comparamos muito do que diziam a experiências reais que vivenciamos enquanto jogávamos estes RPGs online. Muitos passam por esta mesma experiência e não a consideram válida, mas pelo contrário, acho que é uma experiência de tamanha importância para a vida de alguém, pois lhe permite se distanciar, mesmo que não totalmente, ao menos um pouco de um único eu já caracterizado, permitindo assim a vivência de inúmeros “eu”s que estão dentro de você e ainda não foram descobertos.
Os jogos massivos online, vulgo MMOs, como World of Warcraft e Guild Wars, promovem o constante diálogo entre jogadores de diferentes regiões, inclusive sendo reconhecidos como uma forma de aprender novas línguas e históricos pessoais. Essa permuta de vivências permite não só a interseção de costumes dos próprios jogadores, como a adequação de todos para formar a sua própria dentro do jogo. Tal qual foi o caso quando uma jogadora chinesa de World of Warcraft faleceu e, em sua homenagem, foi organizado um funeral virtual. Dessa forma, os RPGs online são eficazes fusões das características dos MUDs e dos RPGs tradicionais. Identifica-se uma sintonia com as palavras de Turkle e o forte vínculo entre a experiência real e a virtual, mesmo que porventura a segunda ocorra sob uma identidade diversa da primeira.
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Sou viciado em jogos estratégicos de guerra. Criei há pouco tempo a minha conta no game online Desert Operations e já tô frenético! É de graça e não precisa baixar nada. Quem tiver aliança pra indicar me avisa. Pra quem não conhece, segue o link http://www.desert-operations.com.br/?rid=913