“Games: Uma Mídia de Expressão” no São Paulo Game Show 2010

16 09 2010

Este é um pequeno trecho da palestra que apresentei no evento São Paulo Game Show no dia 15 de julho de 2010.

Games: Uma Mídia de Expressão” foi uma exposição que fiz acerca do panorama mundial da mídia dos jogos eletrônicos. Abordei a questão dos games não apenas como um produto do entretenimento, mas como um veículo de expressão e obra de relevância artística e cultural.

Em seguida, questionei a visão que prevalece mundialmente em relação a essa mídia, identifiquei obstáculos que a mesma atualmente enfrenta e exibi diversos exemplos de obras que atuam como canais de educação, expressão pessoal e reflexão narrativa (dentre outras vertentes).

Essa foi uma oportunidade particularmente divertida para mim, porque pude fazer uma introdução geral tocando em assuntos como proibições judiciais de jogos, a liberdade de expressão na Constituição e a visão que prevalece na sociedade acerca dos games. Logo em seguida, citei trocentos vários exemplos de jogos que cumprem diversos papeis. Os exemplos variaram desde Max Payne, God of War, Okami, Grim Fandango, Chrono Trigger, Passage, COD4: Modern Warfare, Civilization, até The Sims (e a lista continua), mostrando por que cada um deles é relevante como uma obra de expressão, seja esta artística, pessoal, social, cultural ou educacional, que combina estas características com o entretenimento.

Fazendo uso de outras mídias para garantir melhor efeito, também mostrei alguns vídeos curiosos, como uma propaganda engraçada da GameFly, um vídeo assustador do exército americano, paródias criativas em machinima, 235 jogos independentes ao som de agradável chiptune e uma emocionante explicação para por que você é a pessoa mais poderosa do mundo.

Adoraria repetir essa apresentação. Se surgir a oportunidade (ou se você quiser me convidar), será um prazer.

Os links mencionados durante o vídeo estão aqui:

03:03

Aprendizado Tangencial: http://youtu.be/rN0qRKjfX3s

03:50

Games Curriculares: http://ur1.ca/1fl28

Portal vira bibliografia obrigatória: http://ur1.ca/1fl2o

04:16

Arthur Protasio: https://vagrantbard.com/

Games, Arte, Cultura & Liberdade de Expressão: http://ur1.ca/1fkt4

Outras palestras/eventos sobre games: http://ur1.ca/1kfte





Artigo 55, Inciso III

22 07 2006

– Manhêêêê! – podia se ouvir a ladainha manhosa do garoto ecoando pelos quatro cantos da casa. A mãe, no entanto, já acostumada apenas gritou de volta enquanto fritava ovos para o café manhã:

– Que foi Ricardo? Se arrume logo porque eu já estou fritando seu ovo!

– Manhêêêê! – o mesmo som se repetiu como se o comentário da mãe tivesse sido em vão. De maneira irritada uma voz autoritária e feminina se fez ser ouvida em resposta à indisciplina do filho:

– Eu não quero saber Ricardo! Deixa de birra e levanta! Bota a roupa e vem comer seu café da manhã agora! Eu não quero ir até ai te buscar, mas se eu tiver…

Cerca de um minuto depois o garoto já estava todo arrumado e sentado na mesa esperando o seu prato com torradas, ovo e suco de laranja ser servido.

– Você tinha algo para me falar ou aqueles seus gritos eram só preguiça? – os olhos belos, porém decididos da mãe podiam colocar qualquer pessoa para falar a verdade.

O garoto não sabia se comia ou respondia então decidiu responder de boca cheia:

– Ah…é que eu não – e foi interrompido.

– Não fala de boca cheia. Mastiga, engole e depois fala. – e por alguns segundos houve silêncio apenas para ser interrompido pelo som de Ricardo engolindo a comida.

– Mãe, eu não quero ir pra escola.

– De novo essa história Ricardo?

– Não mãe. É que a escola é realmente muito chata. Eu não gosto de acordar cedo todo dia pra chegar na aula e ficar ouvindo a professora falar por horas. É muito chato.

– Olha só filhinho, eu sei que é chato. Eu nunca gostei de escola também. Só que não tem jeito, você precisa ir. Com certeza tem algumas coisas boas lá. Você não se diverte com seus amigos?

Ele fez um gesto de concordância.

– Então. Vai pra escola e aproveita pra se divertir na hora do recreio.

– Não. Só na hora do recreio? Eu prefiro ficar em casa.

– Mas Ricardo eu já deixei você faltar outras vezes. Você sabe que eu até deixaria você faltar mais, mas agora você corre risco de repetir por falta.

– Só na escola que tem essa coisa ridícula de presença. Eu queria ser adulto.

– Isso não é verdade. Você sabia que até os políticos tem que responder presença?

– Que mentira.

– Mentira nada Ricardo. Eu posso te mostrar na constituição. É o artigo… – antes que ela pudesse terminar foi interrompida.

– Mas quando você é adulto você faz o que gosta. Se eu gostasse de ir pra escola eu não me importaria em responder a lista de presença. Você não gosta do seu trabalho?

– Gosto. – um breve silêncio permeou a sala e o próprio raciocínio da mãe.

– Então. Se os políticos podem repetir por falta é porque o trabalho deles deve ser chato que nem a escola.

A mãe sem palavras permaneceu assim, olhando para a mesa e pensando em uma resposta.

Já tendo desistido de convencer o filho, a mãe disse:

– Tudo bem. Fica em casa hoje.

O filho comemorou discretamente e começou a levar seu prato para a pia da cozinha enquanto a mãe se levanta para ir embora.

Já na porta a mãe virou e disse:

– Beijo Ricardo! Agora, promete uma coisa pra mamãe: quando você for adulto faça algo que você goste.

O filho sorriu de volta e desejou um bom dia para a mãe.





O Manual

7 06 2006

Um senhor meio barrigudo por volta de seus 60 anos assiste ao noticiário na tevê. Nos intervalos comerciais ele aproveita a oportunidade para esticar seu braço para fora do sofá e pegar mais um copo cheio de suco de uva. Na distância é possível ouvir algumas vozes femininas acompanhada de uma infantil.

-Vai lá com seu avô. A gente vai prepara alguma coisa pra vocês comerem. Que tal um bolo de chocolate?

Passos leves, mas rápidos podem ser ouvidos ao se aproximarem da sala de estar e de repente pequenos braços envolvem o grosso pescoço da figura amada do jovem.

-Vitor! Como vai? Senta ai e assiste ao jornal comigo.

-Você pode assistir vovô, mas eu vou brincar. – o garoto sorridente exibe uma embalagem com um brinquedo de montar novinho dentro.

-Brinquedo novo, é? – o senhor com cabelos grisalhos sorri – Tudo bem. Então senta ai perto de mim.

Enquanto “flashes” sensacionalistas de desgraças misturadas a propagandas manipulativas e cenas eufemisticas de jogadores de futebol eram exibidas para os olhos do avô, Vitor calmamente montava sua mais nova estação de bombeiros. As peças eram variadas em cor e tamanho, mas todas elas tinham sua função na hora de montar as paredes, o chão, o telhado e o carro de bombeiro. Em meio a um intenso raciocínio e concentração o garoto é interrompido por um resmungar do avô.

-Que foi vô? – o garoto intuitivamente pergunta ao ouvir o grunhido de insatisfação.

-Olha isso. Há anos que eu vejo já essa mesma cerveja sendo exibida por uma mulher bonita da mesma forma e há anos que também só vejo desgraça. Nada muda.

O garoto sem muito entender da de ombros e volta para sua complexa construção. No entanto após algum tempo ele se depara não com uma estação de bombeiros, mas uma figura estranha e disforme de um amontoado de peças coloridas.

-Vôôô – o garoto chama pela figura poderosa no sofá – Cadê minha casa de bombeiro? Isso aqui tá estranho.

O homem olha sorridente e segura o riso quando vê uma torre semelhante a um arco íris de tijolos. Para ele a construção mais parece com uma pilha de ferro velho atacado por pintores modernos e loucos com latas de tinta variadas.

-Vitor…você leu o manual?

-Ih…é esse livrinho aqui?

-É. Olha, ninguém nasce sabendo. Se você quiser montar sua estação igual à figura da caixa, você vai ter que ler esse manual e seguir os passos. Pode ser chato, mas não é difícil e você vai ver que vai ficar igual no final.

-É…acho que esqueci de ler o manual.

O avô sorri levemente e volta a assistir ao último bloco do programa de fofoca jornalística. De repente, em vez de finalizar com os gols de algum amistoso irrelevante para o convívio social, a voz do apresentador ecoa pela sala:

“Escândalo de corrupção é revelado no congresso nacional e no poder executivo. Ligações são feitas desde o presidente da república até um deputado federal. Informações confirmam que desde meados do ano passado deputados vem recebendo uma quantia pecuniária generosa para servir os interesses das forças contratantes através de votos formais. O número de envolvidos ainda não é confirmado, mas conforme ele cresce o número de supostos artigos constitucionais violados também faz o mesmo. O nosso tele-jornal voltará brevemente após o intervalo com mais notícias de plantão.”

O silêncio permeia a sala. Enquanto o senhor exala raiva através de sua respiração a criança transparece confusão e perplexidade. Ela decide falar:

-Vô. O que esses homens fizeram foi errado, né? – a criança tenta entender a situação melhor ao tirar sua dúvida.

-Claro. Eles fizeram muita coisa errada. Foram contra a constituição inclusive.

-Por quê?

-Acho que eles esqueceram de ler o manual.

-Nada muda, né? – a criança ainda confusa tenta entender.

-Nada.








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