Ato de improviso

29 05 2014

A peça que segue foi totalmente improvisada e escrita após ter sido encenada. Aliás, de encenação não houve nada. Trata-se apenas de corações seduzidos pelo instinto e freados pelo receio do desconhecido. Assim, a cortina abre e o público faz silêncio. No palco…

Ato de Improviso

Noite de lua cheia. As silhuetas de duas figuras pousam sobre a pequena e comprida mureta do clássico bairro carioca.

Enquanto o vento sopra as pequenas marolas na baía, um distante barco quebra o silêncio com sua trilha sonora. Suas luzes coloridas acompanham o ritmo e dançam na superfície. Ainda assim, nada disso interfere nos pensamentos de dois corpos, que nas sombras das árvores, se refugiam dos postes. Para estes dois, aquele cenário é um singelo palco.

De um lado, a platéia, manifestada na constelação de prédios e vidas da orla do Rio de Janeiro. De outro, dois atores realizando um espetáculo espontâneo. Embora o roteiro seja de conhecimento de ambos, o final não está previsto e muito menos como determinadas ações devem ser executadas. Num ato livre, sem grande planejamento ou pormenores, o climax se consome. Um virado para rua, outro para o mar e lábios de encontro. Rótulos sociais distintos que, naquele momento, perdem função e dão margem apenas para um acalmar de anseios.

Antes inquietos, agora realizados. A despedida do “frio na barriga” cede lugar para um novo hóspede: aquela sensação de coração aconchegado. Naquele momento a noite respira. O estalar das folhas, o distorcer das luzes, o soprar do vento…

São componentes de um cenário que nunca teria vida, se não fosse… Pelo beijo.





Centenário

28 05 2014

Nota do autor: No dia 1º de abril de 2014, minha tia Nida fez 100 anos de idade. Além de testemunhar o feito impressionante – que é chegar a essa idade com a constituição mental que ela tem -, também pude refletir sobre a passagem do tempo e como ela impacta os nossos amados. Ainda mais quando se trata de uma espécie de tia-mãe-avó pra mim. O texto que segue foi um presente que fiz em reconhecimento e celebração a todos esses anos de carinho. Com vocês…

 

CENTENÁRIO

100 anos,
Quem diria.
36 mil e 500 dias.

876 mil horas,
De vivências,
De contos,
De histórias.

Eu sei, nem todo segundo, foi um mar de rosas.
Pelo contrário.
Nessa vida, o que não faltam, são as enrascadas perigosas.

Mas olhar pra trás,
E saber que você superou;
É gratificante,
É um alivio.
Deve ser como um gol.

É que talvez nós nos tenhamos dificuldade em aceitar.
Olhamos pra trás com saudosismo,
Pra frente com medo,
E nos deixamos paralisar.

E eu sei, Tia Nida, que (ainda) sou jovem,
mas deixe-me falar:

Envelhecer,
É normal.
São apenas fases
De um processo lento, e gradual.

Por ser uma anciã
Não se sinta mal
Representa sabedoria e paciência,
É um sinal.

Onde muitos sonham em chegar
você vive.
A ignorância e a falha de muitos
Não são o seu deslize.

O seu amor dado
Não respeita proporção.
E a disciplina?
Impecável,
Exemplo de dedicação.

Os anos de história?
Experiências sem par.
Um centenário de lutas
E aventuras para narrar.

Ensinamentos ficam
Mas as discórdias, não.
Fique tranquila
Nada é em vão.

A vida, como tudo, tem vantagens
E problemas.
Mas são as suas atitudes
Que superam os dilemas

Foque no que é belo
Saiba por o que lutar.
E tenha certeza,
um dia, seu legado vai te imitar.

Não pense regressivamente
Levante o queixo
erga o olhar
Na vida, há sim,
diversos motivos para se orgulhar.

Finque seu estandarte,
Sorria e bata o pé.
Não é brincadeira de primário,
A linha do tempo diz:
1º de abril é o seu aniversário.

Aliás, lembra quando eu era pequeno e disse que você era um dinossauro?

Não se prenda ao termo.
Na época me faltou um tesauro.

Mas vocês não são muito diferentes.
Marcos históricos que viram o mundo mudar.
A diferença,
é que (apesar de você dizer que não)
ainda tem muita história pra contar.

Então, volto a dizer.
100 anos;
Não é todo dia.

E se você me perguntar, são 100 –
não. Digo,
São 36 mil e 500,
Motivos de folia.

Agora, vamos festejar!
De quem tem ama e admira. Em nome de todos os netos da sua vida;

Parabéns, Tia Nida!

 





Apenas um fruto

8 11 2013

Nota do autor: Certo dia, enquanto conversava com uma amiga, ela comentou da frustração que é passar anos trabalhando em algo para apenas ter perspectiva de resultados em um futuro muito distante. O comentário me deu um estalo e me levou a escrever a fábula que segue. O que começou como um simples “saber lidar com uma frustração” virou uma espécie de “lição pra vida” de mim pra mim mesmo. Espero que isso faça tanto sentido para você como fez (e faz) para mim.

APENAS UM FRUTO

Era uma vez um jovem que morava com sua família em uma pequena vila. José era seu nome. Aprendiz de carpinteiro. Heitor era o nome de seu pai. Hábil carpinteiro. Paulo era o nome de seu avô. Exímio carpinteiro. Cornélio era o nome de seu bisavô. Fugitivo de uma guerra na qual aprendeu carpintaria enquanto foi mantido em um campo de concentração.

Carpintaria era uma tradição para a família de José. Carpintaria era o legado que corria no seu sangue. Carpintaria o seu propósito de vida e de todos os seus descendentes. Ao menos, seria, se não fossem por aquelas malditas Manguejelas.

Manguejelas são pequenos frutos roxos que, quando maduros, ficam dourados e reluzem à luz do sol. Manguejelas lembram o formato de uma berinjela, mas quando abertas são doces como uma saborosa manga. Verdade seja dita, o fruto é delicioso e, enquanto muitos debatem se é uma fruta ou um legume, alguns seletos mercadores a vendem por preços elevadíssimos. Não se engane. A Manguejela não é encontrada na sua típica vendinha-da-feira-de-domingo. Manguejelas são raras e, por isso, usadas em refinados pratos autorais (mais conhecidos como “experiências gastronômicas”), receitas inusitadas e naquele sorvete que custa o olho da cara (mas é delicioso).

Diante da beleza e o sabor da Manguejela, era apenas natural que José tivesse ficado obcecado pelo fruto. Ninguém esperava que o cliente do Seu Heitor fosse pagar por aquela cadeira de madeira com uma Manguejela. A proposta era inusitada, mas o pagamento muito acima do valor do serviço prestado. Naquela noite, Dona Lica preparou um inesquecível prato de Manguejela grelhada com Javafinho frito. Seus olhos brilharam ao ver o marido e o filho gemendo de satisfação enquanto degustavam a obra.

Dona Lica, no entanto, sabia que era bem capaz de José demorar um bom tempo até comer seu próximo prato de Manguejela e quis agradar o filho lhe oferecendo as três sementes que estavam dentro do fruto. José ficou maravilhado ao imaginar que ele teria como criar inúmeras outras Manguejelas com aquelas minúsculas sementinhas que mais pareciam gergelim e as guardou com muito cuidado em um frasco.
A vida de um carpinteiro, no entanto, é muito exigente e ao longo dos anos seguintes José se tornou um ávido assistente de seu pai. Dia e noite os dois trabalharam até que filas se formavam para admirar os móveis e esculturas de madeira e requisitar novos. A vida era boa e nenhum dos três membros da família tinha do que reclamar – ao menos profissionalmente.

Certo dia, Seu Heitor pediu que José cumprisse uma encomenda para um cliente. José fez o que lhe foi solicitado: uma bela escultura de madeira. No entanto, o que era belo em termos técnicos e de acordo com todos os critérios definidos não surtiu o efeito desejado no seu pai, Heitor, ou no cliente. Algo estava ausente.

Foi então que um estalo ocorreu na mente de José. Ele percebeu que, por mais que tivesse se tornado em um excelente carpinteiro, a atividade desempenhada era automática. Não havia paixão. Não havia amor. Não havia emoção nas suas criações e por mais impecáveis que elas fossem, lhe faltava o sopro da vida. Nesse dia, José tomou uma decisão.

Uma mão segurava uma pequena mala enquanto a outra acenava para Seu Heitor e Dona Lica. José estava se despedindo e, embora a decisão não tivesse sido fácil, ele tinha certeza do que queria. Seus pais poderiam lhe oferecer toda a segurança do mundo, mas nunca a certeza da sua realização própria. Faltava aquele combustível na sua vida. Faltava aquela motivação para sorrir ao imaginar o dia de amanhã. José olhou para o pequeno frasco e sorriu.

Plantar Manguejelas apenas parecia fácil. Os cuidados indicados para o solo eram muitos e, com o pouco dinheiro que tinha, José apenas conseguiu comprar um minúsculo terreno no meio do nada. O solo não era favorável e muito menos o clima. Embora a vontade fosse forte, José resistiu e decidiu pesquisar o máximo possível antes de tomar uma atitude. Afinal, com apenas três sementes para gastar, qualquer erro poderia ser fatal. E ele definitivamente não queria voltar para seus pais com o rabo entre as pernas.

Finalmente, após meses, a data chegou. A meteorologia indicava um clima favorável, o solo já estava arado há meses e nutrido por causa de outras plantações. Afinal, nem só de Manguejelas vive o homem e José precisava comer. Por isso, o jovem precisou plantar tantas outras frutas, verduras e legumes que garantissem sua subsistência.

Ainda assim, qualquer estudioso de Manguejela sabia que sementes plantadas, sob as condições adequadas, demoravam em média oito anos para gerar algum fruto. Aliás, “algum” significava uma chance de 35% por causa da natureza frágil da Manguejela.

Tendo isso em mente, José plantou as sementes e foi paciente. Ao longo dos anos, o seu pequeno casebre e terreno foram crescendo em tamanho e fama. Mercadores viajantes visitavam a fazenda para conhecer o “garoto que largou tudo para plantar Manguejelas”. Jornalistas publicaram notícias e devotos enxergaram sinais divinos em situação. O comércio passou a florescer, pessoas se tornaram habituais na região e todo um ecossistema ganhou forma por causa das (futuras) Manguejelas de José.

Anos se passaram e José decidiu expandir o quarto de visitas – afinal, muitos viajantes se hospedavam nele. Com o dinheiro do aluguel, José decidiu abrir uma pousada. Chalés coloridos foram construídos. Uma sala de estar aqui. Alguns animais ali. Um empreendimento de sucesso.

Mais alguns verões e veio Myca, a fiel companheira de José. Invernos depois, Julla nasceu e o agito de seu riso infantil para os corredores do famoso “Manguejela Hotel Fazenda”. Curiosamente, no entanto, dez anos tinham sido contados, mas nenhuma Manguejela encontrada.

Certa manhã, Myca percebeu que Julla tropeçou em algo no quintal. Ao observar uma raiz saindo do chão, chamou José. O carpinteiro-por-formação puxou a raiz e apertou as pálpebras com força quando o pequeno fruto reluziu. Era uma Manguejela. A única sobrevivente de três sementes, mas a prova de que era sua determinação havia surtido resultado.

– Myca, amor. – José chamou a esposa.

– Sim?

– Tome isso. Hoje o jantar vai ser diferente de qualquer coisa que você já comeu.

– Uma Manguejela! Ela nasceu? Isso é incrível! Ainda mais depois de todo esse tempo.

– Pois, é! Uma das sementes floresceu.

– E você quer que faça um prato de comida com ela? Com o único fruto que você colheu em mais de dez anos?

– Myca. Olhe a sua volta. Veja os animais, os chalés, os mercadores, a cidade, nossas plantações. Olha pra gente. Olha pra nossa filha. Esse é apenas um fruto.

Myca ficou sem reação.

– Não faz essa cara, não. Sorria! Hoje vamos comer Manguejela grelhada com Javafinho frito. Ah, e não esquece de guardar as sementes para Julla. Acho que ela vai gostar.

 





A favor do Google Glass: Avanço tecnológico é inevitável [Coluna para Folha de São Paulo]

15 05 2013

No 06/05/2013 foi publicada uma coluna que escrevi para o jornal Folha de São Paulo sobre as possíveis vantagens do novo Google Glass. Ocorre que, como toda coluna sintética, tive de fazer um recorte bem específico e a discussão do avanço tecnológico vai além do novo aparato da Google. Por isso, segue abaixo a coluna original-expandida:

Uma das formas mais comuns de se imaginar uma nova tecnologia é por meio de obras ficcionais. O filme “Minority Report – A Nova Lei”, lançado em 2002, é apenas uma dessas obras, mas a ilustração cabe perfeitamente nesse caso. O protagonista habita um mundo no qual existe uma tecnologia que permite prever crimes antes que eles sejam cometidos – o que por si só já é um enorme (e curioso) avanço tecnológico.

Talvez mais curioso ainda seja o fato de que a trama se desenvolve durante o ano de 2054, um ano em que é comum cidadãos serem expostos a publicidade personalizada a partir de uma rápida leitura de retina e telas digitais serem manipuladas por gestos com as mãos e braços. O que era algo esperado para 52 anos depois do lançamento do filme (ou 41 anos a partir de hoje) pode estar mais próximo do que imaginamos.

Nosso ano de 2013 não é diferente. Estamos expostos a um constante evoluir tecnológico que, embora seja rápido demais para uns ou desnecessário para outros, inevitavelmente molda o percurso que a humanidade trilha, bem como diversas de suas referências culturais e temporais. O que poderia parecer impossível a partir da gesticulação do ator Tom Cruise no filme Minority Report, hoje é um ato comum quando alguém interage com o acessório Kinect da Microsoft. As câmeras presentes no aparelho são capazes de identificar os movimentos corporais do jogador e traduzi-los em comandos simples, como interromper um filme, ou complexos, como uma coreografia de dança. Read the rest of this entry »





“Way of the Samurai 3” at GDC 2013

3 05 2013

This post is in English, para Português, clique aqui.

Every year the city of San Francisco is host to one of the world’s largest game development events: the Game Developers Conference, better know simply as “the GDC”.

This year, during the GDC 2013, an article I wrote analyzing of the narrative structure in the Japanese game “Way of the Samurai 3” was selected as one of the winners of the “GDC’s Game Narrative Review Competition“. Once evaluated, approved, and selected, the authors of the most promising entries are invited to create a poster as a visual synopsis of their review and present at the Narrative Summit.

Not only did I have a lot of fun talking to people who came to ask me about the game’s narrative, but it was especially an honor to be informed by Richard Dansky, one of the members of the Narrative Summit Advisory Board, that I was the competition’s first international winner. In other words, before my entry, only Americans had been selected to present their reviews at the GDC.

  • For a brief video explanation of the game’s narrative structure, watch this:
  • For a brief visual explanation of the game’s narrative structure, click the poster below:

wots3-gdc-poster





Breaking the Haze

21 11 2012

 

Tick. Tock. Tick. Tock. Tick. Tock.

An endless haze of uncertainty.

 

Tick. Tock. Tick. Tock.

As the rain pours, you try to piece together a confusing mist of intertwined past, present, and future.

 

Tick. Tock.

Unable to be controlled, unable to be foretold.

Time advances and, as a result of your actions, so do they.

It’s run or get caught. Unless change is stimulated, they will come for you.

And when that happens, not even destiny will be able to save you.

At this point, destiny is irrelevant.

 

Tick.

So what’ll be?

What’s done is done.

But what can be done now… is up to you.

 

Tock.

They’re here. Stop wasting time.

You’re already soaked.

Take action.

Go!





LudoBardo: O final de Mass Effect 3 e a monetização de narrativas

6 04 2012

Em seu décimo oitavo episódio, o LudoBardo discute o decepcionante final da trilogia Mass Effect e a polêmica que surge a partir da insatisfação dos consumidores, a resposta da desenvolvedora Bioware e como isso pode impactar futuros modelos de negócio a ver com a monetização de narrativas na indústria dos jogos.

Esse episódio é inteiramente livre de qualquer material que possa estragar a narrativa para quem não jogou a trilogia (vulgo, spoilers), mas um futuro episódio irá discutir em detalhes porque os finais de Mass Effect 3 foram tidos como sinônimo de falta de coesão e uma grande decepção. Abaixo seguem referências a artigos que também discutem o controvertido tópico.

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Material de Apoio:

Bioware anuncia lançamento de “Mass Effect 3 Extended Cut”

Forbes diz que mudança do final não afeta a integridade artística do jogo

Roteirista de Mirror’s Edge e Heavenly Sword discorda da postura da Bioware